O honorável senhor Jean Paul Prates, advogado e economista de 54 anos, é o presidente da Petrobras recém indicado pelo presidente Lula. Você provavelmente se lembra dele durante a CPI da pandemia, onde ele apareceu algumas vezes, ainda pelo cargo de senador pelo Rio Grande do Norte. Contudo ele não foi indicado ao cargo só por ser do PT, o Prates tem experiência de mais de trinta anos no setor energético.
Aí um desavisado pode pensar: "pô, que bacana. Agora vamos ter alguém à frente da Petrobras alinhado com o discurso de enfrentamento das mudanças climáticas do Lula. Partiu, transição energética" Adeus, combustíveis fósseis!" Aí vem o Prates e na primeira oportunidade quer perfurar poços na foz do Rio Amazonas:
“Se for comprovada a viabilidade do projeto, será um salto em direção ao futuro, uma verdadeira alavanca de novos investimentos e oportunidades”, diz Prates. “Depois da bacia de Campos e do pré-sal, estamos diante da mais nova fronteira do país, a Margem Equatorial, que vai da costa do Amapá até o Rio Grande do Norte." Jean Paul Prates para o G1 em 29 de março.
Tá de sacanagem, Prates?!
Se for olhar o site autobiográfico do ex-senador Jean Paul, existem várias menções ao seu trabalho com energia de fontes renováveis. Bacana, né? Curioso que até agora a frente da Petrobras ele só fala em combustíveis fósseis. E o pior é que ele se diz ambientalista.
O plano de negócios apresentado pela Petrobras é de investir 2,9 bilhões de dólares entre 2023 e 2027 em extração de petróleo no Bloco 59, localizado na margem equatorial.
A margem equatorial tem mais de 2.200 quilômetros de extensão e, um bom pedaço dela é parte da Floresta Amazônica, existem Unidades de conservação e Território Indígena que se estendem até o Oiapoque. Uma região com uma fauna e flora bastante ricas e que estão o tempo todo surpreendendo os pesquisadores com novas espécies. Fora que 80% dos mangues do Brasil estão nessa região e são importantíssimos pro sustento de muitas comunidades tradicionais. Um vazamento de óleo nesse local seria desastroso.
A Agência Sumauma conversou com Edmilson dos Santos Oliveira, do povo Karipuna, que é coordenador do Conselho de Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque, o qual conta com 67 integrantes. Tanto ele, como pesquisadores e habitantes que tiram dalí seu sustento demonstraram preocupação com os riscos de um possível acidente:
“A projeção que foi feita pela Petrobras não mostra a mancha de óleo vindo para a terra indígena, só mostra indo para o lado francês. E isso é inacreditável, porque a gente sabe que, a partir do momento que a maré dobrar, a maré encher, essa corrente vai vir em direção aos rios e vai entrar. Para nós, a preocupação é muito grande, porque nossos rios são cheios de várzeas, muitos açaizais de onde a gente tira o sustento, muitos lagos. Caso aconteça um acidente, a gente vai perder muita coisa”, diz ele. “Tudo isso é nossa vida. Sem o rio, a gente não existe.”
Recentemente oitenta entidades assinaram um pedido ao governo federal para que o IBAMA não conceda a licença para a Petrobras perfurar esses poços . Mas você acha que alguém la dentro se importa, cara pessoa leitora?
A resposta é sim, pelo menos duas pessoas aparentemente se importam, Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, e Rodrigo Agostinho, presidente do IBAMA. Ambos foram entrevistados pela Agência Sumauma nos últimos meses e, ainda que de forma cautelosa, deram a entender que são contra a perfuração desses poços. Agostinho, pelo menos, me soou bem preocupado:
"Esse processo é prioritário para o Ibama, a análise técnica está sendo feita com muito rigor, todos os pontos levantados até aqui estão no nosso radar, a gente sabe a sensibilidade ambiental da região, sabe dos riscos eventuais desse tipo de atividade no local. O Ibama vem solicitando uma série de documentos para que a gente possa tomar uma decisão alicerçada em conhecimento científico. A minha orientação aos técnicos é que o Ibama trabalhe sempre baseado em evidência, em conhecimentos científicos, por isso são solicitados tantos laudos, estudos de impacto ambiental. Agora, nós estamos em um momento de analisar tudo o que foi apresentado até aqui, há mais um estudo em realização neste mês. Mas isso não quer dizer que a decisão será tomada imediatamente após esse ensaio de um eventual acidente na região. O Ibama está olhando com muito carinho e atenção esse caso."
De um lado o autodeclarado ambientalista JP Prates, advogado carioca da Zona Sul. Do outro, Marina Silva, mulher amazônida negra. Eu não sei você, mas por mais que eu tenha restrições à Marina, eu jamais ficaria do lado de um advogado numa queda de braço dessas, ainda mais um advogado sudestino.
Deixando a brincadeira de lado que o assunto é sério, o diretor de exploração e produção da Petrobras, Fernando Borges, disse na sua apresentação na CERAWeek em Houstoum:
"Com o declínio na exploração nas bacias de Campos e Santos, nas quais se encontra o pré-sal, a Petrobras terá que investir em novas áreas para continuar crescendo. Estima-se que, se o potencial da Margem Equatorial for confirmado, a produção brasileira poderá saltar dos atuais 3 milhões de barris/dia para até 5 milhões de barris na próxima década. “"
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"Próxima década"...
Pra quê em pleno 2033 o Brasil ainda vai estar extraindo combustível fóssil, meu jesus cristo?! O Lula se elegeu em 2022 falando tanto em transição energética, que vamos diminuir a emissão de carbono, etc e tal. Aí no ano seguinte a gente tem um diretor da Petrobras projetando extrair petróleo na costa amazônica por, pelo menos, mais dez ou vinte anos. E aumentando a produção! Não é bizarro?
E as páginas de direita já estão pintando a Marina Silva como vilã da história. Se você abrir o link da matéria que tirei a citação do Fernando Borges vai ver bem, mas já deixo só a manchete pra você sentir o tom:
"A foz do Amazonas é a nova fronteira do petróleo. Isso se Marina deixar"
Com todo o respeito ao veículo, mas a Marina não tem que deixar nada, ninguém deveria deixar porra nenhuma! Foda-se o lucro dos acionistas da Petrobras, meu amigo, o mundo tá acabando e os abençoados pensando em expansão econômica através de extrativismo predatório.
A gente precisa se manifestar contra essa política do Jean Paul Prates a frente da Petrobras. Na entrevista da Marina pra Sumauma ela diz algo que eu concordo:
"Na minha opinião, e aí é a minha opinião pessoal, a Petrobras não pode continuar como uma empresa de exploração de petróleo. Isso é um desafio para o governo e um desafio para os seus acionistas. Ela tem que ser uma empresa de energia que vai usar inclusive o dinheiro do petróleo para fazer essa transição [energética], para deixar essa fonte que é altamente impactante para o equilíbrio do planeta."
Tem que convencer o Jean Paul Prates e os acionistas da Petrobras disso. Isso é o papel de nós populares? Até pode ser, ajuda se a gente fizer barulho. Entretanto, pra mim, isso é majoritariamente papel do senhor Luiz Inácio que encheu a boca na última COP pra falar de defesa do meio ambiente. Cadê, Luiz Inácio?
Tudo isso é só uma pincelada dos possíveis impactos. E o que me preocupa é que não vejo as pessoas conversando sobre isso, nem muito menos notando a gravidade da situação. Me preocupa muito mais que a população urbana ouve essa notícia de que a Petrobras tá vindo e cria expectativa de emprego. A Petrobras poderia atender essa expectativa, porém não ajuda até mesmo no curto prazo se o projeto for de perfurar poços de petróleo.
Engraçado como no decorrer da escrita desse texto eu fui me emputecendo, mas é que o assunto me enerva mesmo, fico sem paciência. Você não?
O que andei lendo por aí
No último texto falei que sentia saudade de me apaixonar, curiosamente li três livros de romance, de uma forma ou de outra:
O Castelo no Ar da Diana Wynne Jones e tradução de Raquel Zampil. Eu simplesmente amo livro com protagonista que se lasca o tempo inteiro! Sinto muito, Abdullah, mas é verdade.
Para Sor, Com Amor da Lauren Layne e tradução de Juliana Romeiro. Um romance com enredo óbvio e isso não é uma crítica, mas um elogio à Lauren que não precisa abusar de reviravoltas pra nos entreter. Fofo!
Audiobook de Galateia: Um Conto de Madeline Miller, tradução de Fernanda Cosenza e narração de Carla Dias. Mais uma excelente releitura da Madeline, eu já virei fã e lerei tudo o que essa senhora publicar!
Newsletters lidas:
Além da Clima Info que leio quase todo dia, essa semana recebi assuntos bem variados na minha caixa de entrada.
Como bom preguiçoso que sou, me identifiquei com o texto da Marina!!
Fiquei feliz com o texto da Vanessa compartilhando a experiência não-mono dela. Não é fácil encontrar pessoas dispostas a conversar sobre isso de forma tão acolhedora.
Eu tô enrolando pra ler a Hannah Arendt, e toda vez que vejo a Renata falando dela fico me perguntando “por quê ainda enrolo???”
E, pra fechar, a News da J Venegas que trata de memórias dolorosas porém necessárias.
Espero que tu gostes das reflexões que trago por aqui. Elas costumam ser inquietações que não teria oportunidade de me expressar apropriadamente se não fosse a newsletter.
Eu não levo tanto jeito com resenhas tradicionais, mas tô pensando num jeito de compartilhar minhas opiniões sobre os livros que leio. Aceito pitacos!
Mas enfim, não vamos fazer disso um monólogo! Se tu tens algo a dizer sobre algum dos temas aqui tratados, eu vou gostar de te ouvir.
E caso ainda não sejas inscrite, se inscreva pra me incentivar e não perder os próximos textos.
Um forte abraço e até logo!
Texto sensacional e extremamente necessário! Preciso e cirúrgico. Excelente!