Fui passar a virada pra 2023 em Presidente Figueiredo, cidade do Amazonas conhecida por suas cachoeiras. Eu e meus amigos decidimos ir na Pedra Furada e, até chegar na cachoeira em si, precisamos fazer uma trilha de uns dez minutos. O que foi muito massa, porque a percepção de tempo é diferente num local desse, os dez minutos parecem se alongar enquanto adentramos a mata ao som da fauna nativa.
Até chegarmos na belíssima cachoeira com suas águas gélidas que, se pra muita gente não é muito agradável, pra mim é um prazer enorme. Depois de dar meu "tibum" e me banhar na queda d'água, fiquei sentado dentro da piscina natural perto dos meus amigos e apreciei o momento.
Aproveitei pra desligar um pouco a mente e foquei nas sensações que a água e a areia faziam na minha pele, no som da queda d'água e dos pássaros, no cheiro de ar limpo e úmido. Ao ponto que nem ouvia mais o que meus amigos conversavam.
Saindo desse transe gostoso, percebi como eu tava feliz naquele momento, naquele lugar, com aquelas companhias e, devaneei até chegar num ponto:
É pra que momentos como esse sigam existindo daqui a séculos que eu virei ecossocialista”.
Entretanto, não foi só por isso que virei ecossocialista. Mas pra aprofundar nos meus porquês, vamos começar por o que é ecossocialismo.
Nós enfrentamos uma crise climática severa e se não segurarmos o aumento de temperatura do globo em até 2 graus celsius até 2050 a merda vai ser maior do que já está sendo. Quem mais sofre com isso somos nós, do sul global, sobretudo os países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. E, convenhamos, o capitalismo tá pouco se lixando pra tudo isso, afinal, o sistema capitalista precisa dessa expansão toda pra se manter.
Portanto, o ecossocialismo surge como uma resposta radical antissistêmica ao sistema capitalista e sua devastação do meio ambiente. Herdando os princípios marxistas da crítica ao Capital porém com uma consciência de que a crise climática tem que estar no centro de todo e qualquer debate. Sem a natureza não há futuro, muito menos revolucionário.
Mas, senhor Samuel Muca, isso não é querer demais? Não é utópico?
Não, não acho. Acredito que, se os cientistas e tantos relatórios do IPCC dizem que se não tivermos uma atitude enérgica contra a crise climática vamos todos morrer, então precisamos lutar para que uma alternativa séria e radical possa se tornar realidade.
Não adianta tentarmos fazer revolução colocando as questões ambientais de lado porque, pense bem, não há tempo. E isso entra em algumas divergências do ecossocialismo com outras correntes marxistas, sobretudo no modelo desenvolvimentista e produtivista. Para nós, não adianta nos apropriar dos meios de produção e realizar uma planificação democrática se continuarmos destruindo o meio ambiente. Isso, inclusive, vai muito ao encontro da minha militância anticapacitista, porque é esse modelo produtivista capitalista que muitos colegas socialistas não contestam que estratificam todas nós, pessoas com deficiência.
Possivelmente eu me inclinei mais ao ecossocialismo porque eu sou uma pessoa com deficiência. Eu já vinha estudando Marx e essas paradas, contudo nenhuma das outras soluções que eu tinha me deparado realmente me contemplavam. Isso só mudou quando conheci a Sabrina Fernandes, ativista muito preocupada com diversidade e inclusão.
Através do Tese Onze e dos cursos da Sabrina eu fui encontrando respostas pros questionamentos que eu tinha. Ela me mostrou o caminho das pedras e lá fui eu, me radicalizei.
Em seguida, resolvi entrar pra política institucional e fui filiado ao PSOL-AM de 2020 a 2022. Conheci e aprendi muita coisa dentro de um partido político como o PSOL, a melhor parte de tudo, com certeza, foram as pessoas (a pior também, mas isso faz parte da experiência, pelo que entendi).
Porém, isso não foi somente algo que veio de 7 anos pra cá, certo?
Sou filho de uma professora pública, dona Muca, formada em biologia pela UFAM e professora por quase trinta anos no Petronio Portela, escola de tempo integral aqui de Manaus. Meu irmão mais velho formou-se em ciências naturais também na UFAM e trabalha na Secretaria de Educação (SEDUC). Graças a eles sempre fui ligado à ecologia como um todo, desde quando eu era criança abrindo livros didáticos só pra ver as figuras, até adulto, lendo produções acadêmicas do meu irmão sobre jacarés, botos, botânica e etc.
Além do mais, nascer e crescer no coração da Amazônia é outra parada, né? O Rio Negro fez parte da minha vida inteira, na época de escola fiz o passeio do Encontro das Águas, cresci ouvindo CDs do Garantido nos anos 90, cansei de ir pra balneários e praias. Tudo sempre esteve recheado de meio ambiente, da floresta e dos rios, da fauna e da flora. As histórias que eu ouvia do finado Seu Fuad, meu tio avô, nos almoços em família? Esse velho tinha um amor lindo pela Amazônia, coisa que eu não entendia em 2010, no entanto hoje entendo perfeitamente.
E assim, nunca é só alegria quando falo de meio ambiente, infelizmente os impactos da crise climática não têm desacelerado. E é muito fácil cair num fatalismo quando o cenário é totalmente desanimador e parece não ter saída. Nesse curto tempo de militância já vi muitos companheiros e companheiras se desiludirem, sentimos muito isso durante o governo ecocida do Jair. É complicado demais já que nesse ritmo vamos todos morrer miseravelmente.
Só que tem algo muito importante nisso, pra quem sofre muito com os efeitos do capitalismo, estratificação social, racismo ambiental e tudo mais, não dá tempo de pensar em fatalismo. Não é como se fossemos morrer na virada de 2050 quando tivermos falhado na meta de não bater 2 graus no aquecimento global. Tem gente morrendo em enchente, por calor, fome, intoxicação por agrotóxico na comida e mercúrio na água, e tudo isso é notícia do cotidiano, basta abrir um jornal qualquer.
Então, queride leitor, tu acha justo desengajar agora enquanto tem gente morrendo do nosso lado? Óbvio que não são atitudes individuais que vão resolver o problema. Como nós, ecossocialistas, pregamos, a resposta é antissistêmica. Precisamos combater o capitalismo e sua sanha produtivista e, vou te falar, não tem hora melhor do que agora no governo Lula.
Apesar de toda a pressão que o governo vai sofrer pra pender à direita, precisamos fazer uma boa oposição de esquerda pra puxar o governo pro nosso lado. É como num cabo-de-guerra, a Simone Tebet latifundiária e seus amigos do MDB, União Brasil e etc puxam de um lado, e nós, com pressão popular, puxamos do outro.
Vamos aproveitar que agora no Ministério do Meio Ambiente e Crise Climática temos uma amazônida como a Marina Silva, e cobrar essas ações afirmativas. O Lula, nesses primeiros dias de governo, tem falado bastante sobre combater o desmatamento perpetrado por grileiros e agropecuaristas, garimpeiros e tal. Há uma luz no fim do túnel!
Esses foram só alguns dos porquês de eu ter me tornado “ecossocialista, e se algumas dessas razões fez sentido pra você e te despertou interesse, fica aí o convite pra conhecer mais sobre o ecossocialismo e engajar conosco.
Links úteis:
Vídeo: O que é ecossocialismo com Michael Lowy
Vídeo: Fundamentos do Ecossocialismo no Tese Onze
Artigo: Ecossocialismo a partir das margens na Jacobin Brasil
Reflexão muito boa e links ótimos. Desde os meus papos com a Lígia, tenho achado que meu caminho é por aí também. Vai dialogar muito com as Anemonações desse mês, que vou falar do Mark Fisher e o realismo capitalista.
Bom demais te encontrar aqui, muca! Comecei a pensar muito mais em ecossocialismo depois que te conheci, e acho que pouquissima gente conhece sobre, sempre importante abordar